É tempo de meio silêncio, de boca gelada e suspiro,
de palavra indireta, aviso na esquina.
Tempo de cinco sentidos num só.
(Carlos Drummond de Andrade)
Com
a cabeça baixa e aquele semblante cansado, pegou todas as suas emoções e
colocou em um vidro. Ficou ali parado olhando pra todos aqueles
sentimentos presos, se perguntando o que ia fazer. Pensou em talvez
jogar em um rio, ou quem sabe doar pra alguém que realmente precisasse,
já que pra ele aquilo tudo não importava mais.
Sempre
esperou um momento em que as coisas se encaixariam, e talvez passado
esse momento, nem precisasse prender suas emoções. Cansado de
administrar tanta coisa, cansado de escolher, cansado de viver. Por um
tempo pode sentir a leveza de ser vazio. Pode olhar tudo de um outro
ângulo, captando apenas o que de alguma forma faria sentido. Vazio.
Totalmente vazio.
Se
sentou, colocou o vidro em cima da mesa e o olhou ainda mais fixamente.
Nesse intervalo entre se sentar e olhar pensou em conversar com cada um
dos seus sentimentos. Estava ali, sem nada pra fazer e com todas as
suas emoções diante de seus olhos, prontas pra ouvir cada um de seus
desabafos.
Começou então pela tristeza...
-
Olá, minha cara tristeza. Nos melhores e mais animados dias, nas noites
em que eu pretendia dormir bem, nos domingos á tarde, nas manhãs de
segunda-feira, nos finais de relacionamentos, na perda de alguém
querido, ao receber uma notícia ruim, ao escrever, e até mesmo um pouco
antes de te prender. Em muitos momentos esteve presente, em alguns até
mesmo sem o meu consentimento. Lembro de uma vez em que por sua culpa
quase cometi um grande erro, mas no momento de total loucura o amor veio
e me salvou. Amor, ao mesmo tempo em que te salva, te destrói. Inúmeras
vezes a tristeza vinha me visitar justamente por sua culpa, admito e
não devo jogar a culpa toda em você. Não
seria justo. Sinto que todos vocês são ligados, um complementa o outro,
trocam favores e sabem muito bem a hora de agir. Quanta maestria não é
mesmo? Porém, nem sempre sabem como agir. Certa vez me apaixonei, se
lembra amor? Creio que sim. A felicidade então agiu dentro de mim, e
mais uma porção de sentimentos a acompanhou, muitos deles ajudaram, já
outros nem tanto. Fiquei um tempo sendo movido por esse turbilhão de
emoções. Cego, surdo e ás vezes mudo, sorrindo como bobo, falando sem
pensar. Até aí estava tudo em ordem, mas por algum motivo que eu não sei
qual, o senhor ciúme ali se sentiu na condição de aparecer. E então
virou festa, a raiva, a ansiedade, a desconfiança, a mágoa, a paixão, o
amor, a tristeza...Tudo se misturou. E eu não fazia idéia do que estava
sentindo mais, vocês fizeram uma verdadeira bagunça em minha cabeça e me
obrigaram a agir da única forma que eu não devia. Não vou falar que
tenho ódio de vocês, até porque ele também está dentro do vidro, então
apenas vou pedir que cheguem em um acordo, que tenham calma e saibam a
hora exata de aparecer. Darei a vocês outra chance, me darei outra
chance, porque entre não sentir nada e sentir algo, eu escolho sentir.
Após
o desabafo se levantou, e mesmo se achando a pessoa mais doida do
universo pegou o vidro e libertou todos os seus sentimentos, cheio de si
e com o mesmo sorriso bobo no rosto. O amor foi o primeiro a agir.